Trago aqui segredos, histórias de tesouros reais, mapeadas desde a meninice até a infância. Lembranças e contos guardados em caixotes de âmago, ou simplesmente memórias. Registros marcantes como o cheirinho do café de coco, feito no cantar do galo, o cuscuz de arroz novo, feito depois de ficar no pé do pilão, socando por algumas horas, o peixinho do garapé cozido só com limãozim, sal e água, a roda de môi com piaba, e outras tantas memórias, da vida e envolvimento no Quilombo.
Mas o que vou contar é sobre sentimentos de muitos risos e descobertas, aqueles atravessamentos que nos fazem rir de um jeito bobo, e de repente alguém diz “o que foi fulano?”, daí a gente diz “nada não, lembrei de uma coisa da minha infância”. E aí a gente vai falando dos abraços no bombaquim, das carreiras no jacarandá indo pegar inúmeras folhas diferentes que, juntas, formam o tesouro que todo mundo fica ansioso pra encontrar.
Momentos assim é o que vou dizer aqui, a partir da escuta sensível de Libânio, Anacleta e Henzo, do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, descendentes de Guiné-Bissau, nascidos em Pindorama. Em cada escuta, uma profundidade de sentimentos e brilho no olhar, de estar acessando, nesse momento, o agora do passado, dentro de corpos ligados pela diferença e particularidade de um universo que cada criatura é.
Brincadeiras de crianças, adolescentes e velhos, jovens de outros tempos. Libânio me falou de suas lembranças com tanto amor que em momento algum coube a saudade, pois o brilho no olhar foi a sensação revivida depois de tantas décadas, de seu íntimo ser criança, me senti viva em ouvir e ver ele fazendo esse bonito movimento, que posso dizer, é Sankofa: voltar e pegar o que é necessário, e aqui foi voltar a ser somente criança, a mais pura e verdadeira definição de felicidade e espírito livre.
Tão incrível quanto a escuta ao meu velho, jovem há mais tempo que eu, foi ouvir o seguimento de sua descendência, por meio de Anacleta, sua filha, que faz valer o significado de seu nome, mulher verdadeira, e foi isso que senti em suas palavras, a verdade de suas memórias. Anacleta me contou de seus momentos secretos, onde fazia suas peraltices, dando ao mundo o movimento de uma chama nova, construída por ela, seus irmãos e primos. Como foi bonito e gostoso saber de gargalhadas puras e tantas travessuras. Por um instante pensei: o meu ser traz muito desse ser criança que é Anacleta; eu apenas ri na escuta, e concluí no meu íntimo meu pensamento, como dizem os mais velhos: ninguém puxa, herda, rsrsrsr.
Pra terminar de contar sobre herança, quem me falou sobre suas lindas histórias também foi Henzo, neto de Anacleta e bisneto de Libânio. Henzo é muito encantador, e já traz de seus antecedentes o espírito da descoberta e dos bons contos, e guarda, de um jeito muito simples, as ações que já o constituem enquanto esse serzinho que já é também uma criatura do presente futuro.
Pra ir seguindo o encurtar das histórias, deixo aqui parte dos nomes de algumas das tantas brincadeiras vivenciadas e construídas até hoje, no seio do Quilombo, brincadeiras feitas à muitas imaginações e belos risos.
Balanço (feito com imbira e um pedaço de pau); Burra (feita de imbaúba); Cadeirinha (junta os braços e segura com as mãos, daí carrega outra criança); Pegador (é a mesma coisa que brincar do cola ou pega-pega); Grilo (é brincado a partir de uma grande fila de crianças, o objetivo é o primeiro da fila ser rápido para pegar o último); Caí no Poço, Largata Pintada, Andei a redor do Poço, Maribondo (a casa), Jacarandá, Cavalo de Pau, Chuta Lata, Cavalo (feito de talo da bananeira); Jogo de castanha (castelo/buraco); Bolo de terra, Fogão de terra (feito com o pé); Casinha (cozinhar e partilhar comida de folhas etc; Costureira (folha de banana e invira); Pata cega, Roda, Professor(a), Construção da família, Carro de lata (feito de lata sardinha ou pau de invira); Atracar, Pião, Xuxú, Bola de folha, Telefonista.
Texto, fotos e áudios: Zica Pires