28 de dezembro de 2021
A força e o poder da Terra

Este é o sentimento de Pjicre Akroá Gamella

Falar de Terra.

Falar de Terra é falar de mim. Falar do meu corpo territorial. Falar de todo o meu ser. De tudo que eu sou. Da minha origem. Falar da vida. Falar do sofrer. Falar do amor. Falar da força. Falar de tudo.
Principalmente falar do que eu vivo, como eu vivo, o que que eu sou.

Falar da Terra é falar de sentimentos profundos. Falar de raízes, de tronco, de ancestralidade, de encantaria. Falar de tudo. Falar de ser feiticeiro. Falar de ser macumbeiro. Falar de tambor. Falar de cura.

Falar de Terra é falar com amor, é falar com dedicação, é falar de viver. É falar de bem viver. É falar de ter vida. Vida onde se pode respirar. Falar de sofrer. Sofrer porque ama a terra ancestral. Sofrer porque a Terra sofre junto. A Terra nos cria. A Terra nos alimenta. A Terra é remédio pra nossas doenças. Por isso falar de Terra é falar da vida, é falar do meu corpo em si. Falar do meu corpo territorial. Falar do meu corpo. Meu Corpo. Falar de mim. Falar da minha vida. Falar do meu ser mulher.

Falar da Terra.

Falar sobre a Terra é falar do corpo material e espiritual e de tudo que nele existe. Falar sobre a Terra é sentir a dor das queimadas, das derrubadas, das escavações, sentir os afastamentos dos animais, sentir a escassez das nossas alimentações. Por isso, falar sobre a Terra é sofrer junto com ela todos os ataques que ela sofre, porque todo sofrimento dela é transferido a nós. As destruições que fazem nela é uma parte de mim que está sendo destruído também. Quando a Terra sofre esses ataques é o meu sangue que está sendo derramado, a minha vida que está se desfazendo junto com a Terra. Porque cada ser que a Terra tem é uma parte do meu corpo.

A Terra sofre com as queimadas, com a escavação, com as derrubadas. Por que se continua todas essas maldades? Para onde vai o meu espírito? O espírito das matas, das águas, dos animais?
Como fica a parte dos encantados diante de toda essa devastação? Cada parte dessa é uma importância muito grande para mim porque é dor para a Terra, mas é dor para o meu corpo.

Eu queria saber explicar. Eu queria saber fazer essa identificação, como é ficar sem a Terra diante de tudo que a gente veve, diante do sofrer.

Sofrer.

A gente fala que sofre porque é ameaçado, tem medo de morrer.

Mas o sofrimento maior é o da Terra.

Eu falo isso dos grileiros de Terra, que invadem nossos territórios, que devastam, que derrubam, que entopem nossos rios, que derrubam nossas árvores, que fazem com que nossas encantarias se transformem em outras coisas, em outros seres. Derrubam nossas matas onde guardam nossas forças espirituais. Destroem. Devastam. Sabendo que eu me sinto devastada também diante de tudo isso.

Falar da terra é falar com orgulho. Falar da terra é falar com amor, amor pela natureza, amor pela Terra, porque a Terra ela nos cura. A Terra é remédio. A Terra é nosso corpo, ela é nossa alma, ela é nosso espírito, porque a gente se sente de alguma forma protegido por ela. A gente se sente aconchegado por ela. A gente se sente amado. A gente se sente acolhido.

Falar de Terra é falar de vida indígena.

Falar das matas é cada pedaço do corpo de Pjicre Akroá Gamella.

Quando a gente fala o amor a Terra, é porque o amor que a gente tem por ela é de cuidados. É porque a gente se sente cuidado por ela e se sente na obrigação de cuidar dela. Porque cuidar da terra é se proteger. É cuidar dos encantados. É cuidar dos ancestrais. É cuidar das nossas raízes que já se foram, do outro século. É cuidar dos nossos bisavós, que não estão mais aqui, mas deixaram esses galhos, essas raízes, pra continuar essa luta.

Lutar por Terra, por viver e por bem viver.

Eu falo de bem viver e de viver porque é a Terra que nos dá. Nós somos sementes. Sementes que botadas na Terra germina. Sementes que germinam e dão frutos, frutos bons, frutos cheios de vitaminas. Vitaminas essas que a gente não consegue encontrar no mercado. Só a Mãe Natureza dá, só a Mãe Terra nos dá.

Porque a maioria dos nossos parentes hoje vivem doentes. Doentes por não ter comida saudável pra comer. As criações que a gente cria nos nossos territórios não são infectados de venenos que eles chamam de remédio para crescimento. As criações que a gente cria no nosso território são saudáveis, crescem no determinado tempo, no tempo certo, no tempo adequado, no tempo que a Mãe Natureza nos ensinou a cuidar, a tratar, pra ter uma alimentação digna. Porque nossa terra nos garante isso. Quando eu falo em vida, só a nossa Terra nos dá vida. E ela tem vida quando a gente dá vida pra ela.

Falar de liberdade.

Liberdade.

São coisas que hoje na rua a gente não encontra liberdade. Mas a gente tem uma força maior quando pisa no nosso chão. O nosso chão que nos cria, que nos guia, que nos dá força, que nos fortalece, que tem poder de nos garantir firmes.

É o nosso território.

É a nossa Terra que nos cuida.

É a nossa terra que nos garante.

É a nossa Terra que nos dá Bem Viver.


Texto, áudio e fotos: Pjicre Akroá Gamella / Foto de capa: Ana Mendes/Imagens Humanas

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