12 de dezembro de 2021
Empresa de energia destrói campos alagáveis e ameaça sobrevivência de povos tradicionais no Maranhão

Desde 2017, comunidades tradicionais dos municípios de Santa Rita e Itapecuru-Mirim, no Maranhão, vivem sob intensa apreensão diante de mais um empreendimento para a região conhecida por Beira de Campo. Não havia nenhuma informação divulgada – pelo menos até agosto de 2017 – quando lideranças comunitárias tiveram acesso a uma carta enviada por uma empresa de consultoria à prefeitura municipal de Santa Rita solicitando informações sobre a localização geográfica de territórios quilombolas.

A solicitação se referia às comunidades de Santa Helena, Jiquiri, São Raimundo da Felicidade, Nossa Senhora da Conceição, Centro dos Violas, Vila Fé em Deus, Cajueiro e Careminha, localizadas geograficamente na faixa do município de Santa Rita conhecida por Beira do Campo, às margens do rio Itapecuru.

Estas e outras comunidades estão no traçado de um empreendimento da empresa EDP Energias do Brasil, que em abril de 2017 arrematou dois lotes de linhas de transmissão colocados à venda em leilão promovido pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Um dos lotes afeta seis municípios maranhenses: São Luís, Bacabeira, Santa Rita, Itapecuru-Mirim, Anajatuba e Miranda do Norte.

Até 2019, a ampla maioria das comunidades afetadas nos municípios citados não tinha nenhuma informação sobre o empreendimento. Apenas as comunidades Retiro São João da Mata e Santo Antônio, ambas na zona rural de Santa Rita, receberam visitas de pessoas fazendo perguntas sobre o cotidiano das comunidades.

Em 2020, para espanto de todas as pessoas da região, máquinas pesadas, a serviço da EDP, começaram a entrar nas áreas alagáveis de comunidades tradicionais de Santa Rita e Itapecuru-Mirim. As máquinas entupiram igarapés e reviraram a lama na região, danificando o solo e o curso natural das águas nos Campos Naturais.

As licenças ambientais dadas pela Sema à EDP não respeitaram a consulta prévia, livre e informada às comunidades, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, o empreendimento está sendo instalado de forma irregular.

Outro agravante desta invasão dos campos pelos maquinários a serviço da EDP é que a ação aconteceu em pleno inicio da piracema, período de extrema importância para a reprodução de inúmeras espécies de peixes e que coincide com o inicio do ciclo chuvoso, e consequentemente com a cheia dos Campos Naturais.

Uma das máquinas chegou a atolar em meio aos campos, sendo necessária uma operação complexa – envolvendo mais movimentação inadequada do solo – para retirá-la dali. Esse foi o estopim para um conflito que já persiste em dois anos. 

Área de proteção

A região em que a EDP está instalando as linhas de transmissão é uma Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense, e não poderia estar recebendo esse tipo de empreendimento. Desde que ocorreu o Leilão, em abril de 2017, essas comunidades, com características e costumes tradicionais, quilombolas, pescadoras e pescadores, trabalhadoras e trabalhadores rurais, situadas nesses municípios vêm tendo seus costumes e valores violados.

A vocação dos Campos Naturais é o uso coletivo, compartilhado e sustentável. Mas este uso vem sendo interrompido devido ao aumento da demanda por energia e para o abastecimento da região portuária de São Luís. Levando em consideração que muitas das grandes empresas não respeitam o meio ambiente de forma séria e eficaz, e que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão, a Sema, vem atuando no sentido de viabilizar empreendimentos mesmo que esses impactem povos e comunidades tradicionais, o cenário de um desastre socioambiental está criado.

Medo e insegurança

A região denominada Beira de Campo engloba comunidades tradicionais de quilombolas, ribeirinhos, pescadores, agricultores e quebradeiras de coco, grupos sociais historicamente marginalizados e em situação de vulnerabilidade social.

As pessoas impactadas pelo empreendimento da EDP temem por suas vidas, segundo inúmeros relatos colhidos. A insegurança alimentar é a principal consequência desse desastre ambiental, situação reconhecida inclusive pela Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, a COECV, ligada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular Sedihpop, e pelo próprio Ministério Publico Estadual. Os impactos da instalação dos linhões da EDP nos Campos Naturais serão regionais, com afetação sobre a pesca, abastecimento de água, alimentação e deslocamentos.


Texto, fotos, áudio: Mateus Tainor

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