Nos últimos anos, o Maranhão tem caminhado na contramão do esforço global de preservação da natureza e respeito aos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Tudo por causa dos projetos desenvolvimentistas dos dois governos de Flávio Dino que favoreceram, e ainda favorecem, grandes empreendimentos logísticos e extrativistas – com vistas à exportação – às custas de violações dos direitos, dos corpos e territórios de indígenas e quilombolas.
Por aqui, questões como soberania alimentar e direito à terra e ao território são postas à prova pelas diversas investidas do Estado em viabilizar, por exemplo, a duplicação de rodovias para escoamento da soja e outras commodities do agronegócio; a implantação de linhões em campos alagáveis para levar mais energia à área portuária de São Luís; e o licenciamento de monocultivos em áreas de Cerrado, com utilização de agrotóxicos em larga escala e invasão de territórios quilombolas centenários.
Por isso mesmo, nossas comunidades seguem na luta diária e no enfrentamento contínuo a essas violências.
Linhões em Monge Belo
O Território Quilombola Monge Belo fica na zona rural do município de Itapecuru-Mirim e é constituído por oito quilombos. É um lugar histórico e diverso, lar de milhares de pessoas descendentes de homens e mulheres que foram sequestrados em África e trazidos à força ao Maranhão para trabalhar em regime de escravidão nas plantações de invasores europeus.
Nos últimos três anos pelo menos, Monge Belo, que já foi rasgado pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), da mineradora Vale S.A. nos anos 1980 e por uma duplicação da mesma EFC na primeira quinzena dos anos 2000, agora se vê violentado por outro empreendimento: linhas de transmissão da empresa transnacional EDP Brasil, com sede em Portugal. As torres e suas estruturas têm sido instaladas dentro dos campos alagáveis que compõem o território e garantem identidade, água e alimento às famílias quilombolas.
Impactos para as juventudes
Os impactos do empreendimento sobre o território são amplos e sistêmicos. Afetam-se os corpos, a terra, a ancestralidade, a autonomia alimentar e de água. De modo especial, afetam-se as juventudes do lugar, já bastante vulnerabilizadas pela ausência de políticas públicas do Estado capazes de garantir sua permanência no lugar com qualidade de vida.
Faltam escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer, transporte público; faltam incentivos públicos à agricultura familiar capaz de garantir alimentação dentro do território e renda com a venda do excedente.
Nesse contexto de violações e vulnerabilidades – que nunca aparecem nas propagandas do empreendimento e nas falas dos gestores públicos que os apoiam –, as juventudes ficam à mercê do descaso, vendo ameaçada sua permanência em território ancestral e retirada sua perspectiva de um futuro em que possam ser protagonistas de suas histórias.
Luta antiga
Desde 2013, Monge Belo luta na justiça para que as compensações ambientais da Vale sejam implementadas para amenizar os impactos da EFC. Frente aos estragos causados ao longo de décadas pela empresa, a compensação ainda é bem pouca. São melhorias em estradas vicinais, poços artesianos e caixas d’água, por exemplo. Mas nem isso chega, e quando chega, é após anos e anos de luta e cansaço. Durante os seis meses verão – a estiagem na Amazônia – a vida fica muito difícil para os quilombolas do território, que tiveram cursos d’água impactados pela estrada de ferro.
Agora, com a EDP arrasando o território com sua parafernalha de ferros e fios para levar energia pra longe dali, os quilombolas – especialmente as juventudes do local – estão vendo rarear seus alimentos (especialmente os peixes). Com isso, é preciso buscar o sustento cada vez mais longe, e não é raro que o êxodo rural forçado, em busca de sustento na cidade, apareça como uma opção urgente.
Nas conversas que fiz com as juventudes de Monge Belo, não foi difícil perceber que as empresas – Vale e EDP – não estabelecem diálogo com a comunidade, não pagam o que devem e nem restituem o que são obrigadas a restituir por construir em território alheio.
Diante dessa situação, em visitas a lideranças jovens de Frades, um dos quilombos do Território Monge Belo, dialogamos sobre a importância do trabalho de base junto a outros jovens – principalmente mulheres jovens – para que tomem pé da situação que as atravessa, dos impactos, e da necessidade urgente de organização para evitar novas violações e garantir reparo às que já foram feitas.
No processo de escuta orientada, as lideranças jovens com quem dialoguei – Elane, Elayne, Joselia e Naisa – procuraram e conversaram com jovens do território. O resultado foi melhor que o esperado: muitos jovens ali têm o entendimento da importância de defender seu lugar de origem e também da responsabilidade para com a própria juventude em ofertar condições de qualidade de vida para elas e eles. São jovens de 19, 20 anos, muitos ainda estudando.
Pensar em sair do território é sempre uma opção, mas ao mesmo tempo, a reflexão sobre os impactos dessa saída – deixar amigos, família, costumes, terra, matas, origem, ancestralidade, espiritualidade – acaba gerando a certeza de que a permanência, ainda que em meio à luta, é capaz de garantir a vida e as condições para melhorá-la, uma vez que as raízes seguem fincadas na terra que nutre o corpo e garante a força da ancestralidade.
Texto, áudio e fotos: Mateus Tainor