A Comunidade Tradicional Taim fica na zona rural de São Luís, Maranhão, em um território de mais de dois mil hectares. Ao longo do tempo, a comunidade vem sofrendo com o impacto de inúmeros empreendimentos instalados na região, inclusive irregulares.
Por situar-se na costa maranhense, banhada pela Bahia de São Marcos, uma das principais características da região é a pesca, mas também a prática ancestral da agricultura, que ao longo de anos tem sido afetada pela implantação dos empreendimentos, numa evidente disputa agrária no local.
A expansão desses empreendimentos ocorreu inicialmente com o Complexo Industrial da Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão S.A.). Sua estrutura tomou tanto áreas no mar, com a construção do porto, quanto espaços na terra para expansão de uma fábrica de alumínio. Posteriormente, com a mineradora Vale S.A., a comunidade foi atingida diretamente, inclusive pelas ameaças de expansão do porto.
Por se ter uma terra fértil, a produção agrícola tem muito potencial, mas o que se vivencia desde a década de 1990, na prática, é o enfraquecimento dessa tradição. A produção de farinha, sustento de muitas famílias, fica hoje na memória, principalmente dos anciões. Embora a pesca no mar também seja significativa, já é perceptível a perda de muitas espécies. A comunidade associa o impacto à presença desses empreendimentos no local.
Perda da autonomia alimentar
Na memória da comunidade, inclusive na minha, é bem presente a referência a uma casa de farinha que nos anos 1990 ficava na casa do velho Cirilo e depois passou para seu filho Nelson. Com o passar do tempo e o declínio da produção, Nelson teve que desativar a casa de farinha (ou casa de forno, como também é conhecida) e vender os instrumentos de produção que havia ali.
A comunidade tinha autonomia alimentar, os lavradores se reuniam, trocavam diárias de trabalho nas roças, tinham maior interação, a comunidade era mais unida e mesmo os que tinham pouca produção tinham local certo para fazer a farinhada, não precisavam ir para outras localidades para fazer a farinha. Hoje, mesmo diante de tantos retrocessos e tantas perdas de espaço no território, os trabalhadores do Taim continuam produzindo nos seus quintais para consumo próprio, mesmo com as dificuldades resultantes do processo de estreitamento do território, com o sonho de voltar a produzir farinha na sua própria casa de farinha.
Desde 2020, Vavá, Antônio, Prego, Maria Roxa e Major resistem a todo esse processo que nos empurra à escassez. Eles mantêm uma roça numa localidade distante chamada Ilha do Chiqueiro, um lugar maravilhoso que ainda oferece a tranquilidade para plantar a mandioca, onde Major morou durante um tempo. Assim, apesar de pouco, se tem o suficiente para arrancar e fazer uma farinha que podemos dizer que é nossa.
Retomada
Em 2021 Antônio e Vavá construíram uma nova casa de farinha no Taim, no quintal da casa de seu Major, meu avô e patriarca da família. Recomeçamos a fazer a farinhada com a produção de mandioca que vem de barco para ser processada no local, e assim conseguimos retomar aquilo que nos foi deixado por nossos ancestrais, a tradição e a cultura de produzir nosso próprio alimento. O projeto saiu do papel e se tornou realidade.
Todo esse processo serviu para acreditarmos ainda mais na união e proporcionou muita alegria para as famílias que se reuniram para celebrar a retomada e passar de geração em geração o costume de fazer a farinhada na casa de farinha do Taim. Toda a família continua se reunindo, filhos, netos, bisnetos e tataranetos e assim, com união, compartilhar a vontade de não perder uma farinhada. A casa de farinha é um ponto de apoio para a comunidade do Taim, que pode usar sempre que precisar.
Texto, fotos e vídeo: França Gonçalves / Edição: Juliana Bittencourt