Não se prende o que não se pode ver: eu sou a própria liberdade. Assim como a água e o ar, eu, a ancestralidade, não tenho fronteiras.
O centro é circular, assim como o caminho, e eu-liberdade, tenho saudades do meu lugar no Quilombo. Desde sempre ouvi dos velhos (jovens há mais tempo) sobre a pedra fundamental, A MEMÓRIA, que só serve viva, coletiva, compartilhada.
Movimento
No movimento desse tempo, século XXI, já passados quase quatro séculos, 344 anos, vejo assentamento, vejo firmamento. No girar, vejo a minha história, a memória que tentaram apagar.
“Hoje, narro a vida sobe Giras, Giros, em meio a tecidos coloridos, alegres, vivos. Assim é também o som, o toque, o tambor: afinado pelo fogo ele também me afina, lembranças doutros tempos. O ano de 1676 me atravessa desde a mãe do corpo: o ORÍ.”
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Ancestralidade, a que foi-é-está sendo-será
Orí
No corpo guardo, o paladar, os contos, narrativas de Quilombo, a História que caminha e não morre, a memória da carne. Guardo no corpo segredos, assim como a cabaça, a guardiã da vida.
Conto pouco, pois nem tudo se pode contar, a história é melindrosa. Mas quem dá o beber, dá o de comer. No Quilombo como no centro é assim, Festa-Liberdade, é partilha, é alimento, é luz.
Abençoado seja o espírito da Liberdade, que é Erê – filho de dois mundos, o que tudo vê. ASÉ, EXÚ é multiplicação, não da carne, mas do espírito. Não está em cima, é intimidade, são as relações do fundo.
Natureza das coisas, ensinamento e matriarcado é o que os olhos revelam, é a pedra fundamental da narrativa, é a segurança, a garantia da vida, do bem-viver.
Nesse Matriarcado, somos filhos, herdeiros legítimos do mundo Rainha Preta. O meu, nosso corpo, é a raiz diaspórica, o segredo, o forjamento, a pedra da memória coletiva.
Sou corpo Preto, sou a fúria da natureza, equilíbrio – mata, ação sem reação, sou a verdade visível de um mundo onde nada se pode ver. Eu sou a ANCESTRALIDADE, a continuidade de milhões de Histórias, a MEMÓRIA das VIDAS.
Ilustrações e texto: Zica Pires